A morte, em Belém, não é apenas fim — ela é parte da cidade. E talvez em nenhum lugar isso seja mais visível do que no Cemitério da Soledade , entre o musgo, o mármore e os olhos invisíveis que parecem seguir quem se atreve a passar por lá depois das seis.
Fundado em 1850 para enterrar vítimas da febre amarela, a Soledade virou mais do que necrópole. Virou santuário, palco, palco de fé, de promessas e de silêncios que falam mais do que os vivos querem escutar.
Foi lá que conheci o Túmulo 27 , por acaso — ou talvez não.
Eu andava pelos corredores estreitos do cemitério em uma tarde abafada, câmera em punho, buscando imagens para um ensaio fotográfico sobre arquitetura mortuária. A capela neoclássica ainda resiste ao tempo, e as esculturas de lamento e esperança me absorvem mais do que qualquer igreja. Mas foi uma pequena lápide ao lado direito da entrada que me chamou.
Flores frescas. Vela derretida. Um brinquedo antigo, sujo de terra. E escrito em giz sobre a pedra branca, com caligrafia infantil: “obrigado Zezinho” .

Perguntei ao zelador. Ele só balançou a cabeça, como quem não quer falar muito:
— Tem gente que vem de longe, só pra ele. Zezinho ajuda quem pede com fé.
Voltei à noite, contra meu bom senso.
Um meninoE foi ali, entre túmulos em silêncio e árvores rangendo ao vento, que vi.
Um menino. Pequeno, de calça curta e camisa branca. Cabelo penteado de lado, olhar triste e calmo. Ele estava em pé, bem ao lado do Túmulo 27, eu observando como se esperasse algo.
— Você também veio pedir? — ele disse.
A voz era limpa, sem medo, mas soava como vinda de muito longe.
— Eu… não sei. — respondi, com a garganta seca.
— Todo mundo pede. Mas ninguém escuta o que eu quero.
Fiquei sem palavras. O menino me olhou mais uma vez.
— Quando sair daqui, não volte sozinho. Às vezes, o que acompanha… não quer mais ir embora.
E afastado. Sem som, sem sombra. A vela ao lado da lápide se apagou no mesmo instante.
Hoje, toda vez que passo pela Soledade, deixo uma vela acesa no Túmulo 27.
Não sei se por gratidão… ou medo.