Entre Castanhal e Terra Alta existe uma estrada estreita, de asfalto corroído e curvas silenciosas. São 25 quilômetros que serpenteiam pelo mato alto, cercados por sombras e histórias que insistem em viver mesmo quando ninguém acredita.
Kleiton morava em Terra Alta e fazia faculdade de Engenharia Elétrica em Castanhal. Toda noite, após a aula, pegava sua moto e encarava a volta solitária para casa. Conhecia cada buraco, cada desvio, cada cheiro da estrada molhada.
Os mais antigos comentaram sobre coisas estranhas naquele trecho. Luzes no mato. Vozes. Sussurros. Caminhoneiros que evitavam pararam ali à noite. Mas Kleiton nunca deu atenção. “Conversas de interior”, dizia, sempre rindo.
Até a noite em que sua moto resolveu parar. Um estalo seco, motor morto. O breu parecia mais denso que o normal. Celular sem sinal. Esperou por uma carona — por sorte (ou azar), não demorou muito.
Um caminhão velho, desses de carga pesada, parou com um rangido arrastado. O motorista era um homem calado, rosto marcado pelo tempo, olhar atento. Aceitou levar Kleiton até Terra Alta.
— Vocês estudantesA conversa foi pouca, mas estranhamente o caminhoneiro se referia a Kleiton como se fosse acompanhado.
— Vocês estudaram até tarde, né? – disse.
— Essa hora é perigosa pra casal andar sozinho nessa estrada.
Kleiton estranhou, mas preferiu não comentar. Achou que o homem estava se confundindo ou apenas jogando conversa fora.
Chegaram à Terra Alta perto da meia-noite. Pararam no posto de entrada da cidade. Kleiton desceu, agradeceu e foi se afastar quando ouviu:
— Ei, a tua namorada não vai descer, não?
Kleiton congelou.
— Eu… eu estou sozinho, senhor.
O caminhoneiro franziu a testa.
— Como assim? Ela estava contigo desde que você entrou no caminhão. Sentada atrás, quieta… Pensei que fosse tímida.
O frentista do posto, que ouvia a conversa, se movia lentamente.
— Ele pegou carona contigo hoje? — Disse.
– Sim.
— Com a moça da estrada?
Silêncio. Longo, gelado.
O caminhoneiro e o frentista se entreolharam. O motorista não disse mais nada. Subiu de volta, ligado ao caminhão e partiu sem olhar pra trás.
Kleiton ficou ali, sentindo o peso de algo que não conseguia explicar. Nunca mais voltei sozinho pela estrada. Nem preciso ouvir as outras histórias. Aquela noite bastou.